A presença de judeus marroquinos no município de Breves

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Se a presença de judeus no Brasil só muito raramente é encontrada na historiografia brasileira, imagine-se algo escrito a respeito da chegada desse grupo na região marajoara e, especialmente, no município de Breves. Entretanto, embora essa história seja quase oculta, é possível encontrar alguma referência a respeito em trabalhos acadêmicos de alunos da Universidade Federal do Pará, Campus do Marajó, Núcleo Breves, que, entre outros grupos de imigrantes, abordam e discutem essa temática.

Breves, Pará, Brasil

Antes de adentrar propriamente na questão que aqui se propõe, é oportuno informar, para efeito de contextualização, que o município de Breves está localizado na Ilha de Marajó, a maior ilha do Arquipélago do Marajó, considerada também a maior ilha fluviomarinha do mundo, na foz do rio Amazonas, no estado do Pará, banhada pelo Oceano Atlântico e pelos rios Amazonas e Tocantins  É uma região composta pelos municípios de Afuá, Anajás, Bagre, Cachoeira do Arari, Chaves, Curralinho, Gurupá, Melgaço, Muaná, Ponta de Pedras, Salvaterra, Santa Cruz do Arari, São Sebastião da Boa Vista e Soure, além, claro, de Breves.

Trata-se de um espaço com baixa densidade demográfica, habitado essencialmente por caboclos ribeirinhos remanescentes da disputa do espaço físico e cultural com índios (estes, os primeiros habitantes da região), com africanos escravizados e com colonizadores europeus.


Breves, a maior cidade da região, localiza-se à sudoeste da ilha, com uma população em 2019 de 102.702 habitantes (estimativa do IBGE) e uma área total (zona urbana e rural) de 9.566,572 Km². A cidade recebeu essa denominação em função do sobrenome dos seus fundadores, os irmãos portugueses Manuel Maria Fernandes Breves e Ângelo Fernandes Breves.

Administrativamente, o município de Breves é constituído pela sede e pelos distritos de Antônio Lemos, Curumu e São Miguel dos Macacos.

Manoela Chocron, bisneta de Abraham Chocron vestida de marroquina em homenagem ao bisab seu bisavô

O distrito de São Miguel dos Macacos, pertencente à microrregião Furo de Breves e à mesorregião do Marajó interessa em particular porque foi lá que chegaram alguns dos imigrantes de judeus marroquinos dos quais se têm notícia.

A presença de judeus, especialmente judeus marroquinos ao município de Breves, de acordo com alguns registros de imóveis em cartórios da cidade, se deu a partir de 1890. Estabeleceram-se em diferentes localidades do município, tanto na zona urbana quanto na rural. As primeiras famílias a chegar à região foram os Gabbay, os Athias, os Farache, os Roffé, os Sarraf, os Bottebol e os Chocron.

Com exceção dos Sarraf, que chegaram aqui já no chamado ciclo da madeira, por volta de 1950, os demais imigrantes marroquinos chegaram ao município no ápice do 2º ciclo da borracha e se dedicaram basicamente ao comércio, embora comprassem e vendessem borracha também. O patriarca dos Chocron, Abraham Mojluf Chocron, por exemplo, chegou ao Brasil vindo e Tetuan, no Marrocos. Era então já viúvo e com três filhos. Veio para o Pará e se tornou regatão pelos rios da Amazônia.

É oportuno dizer que o termo regatão remete a um comércio sobretudo de estivas e miudezas realizado numa embarcação conhecida na época como batelão, construída em geral de uma tora de madeira escavada, com uma cobertura de palhas entrelaçadas chamada de panacarica. Alguns batelões eram maiores e feitos de tábuas a partir da tora serrada.

Abraham Chocron posteriormente se estabeleceu às margens do rio Macacos (o nome desse rio teria sido dado pelo próprio Abraham ao ver a quantidade desse animal que povoava a floresta que margeava o rio) onde montou e prosperou um grande comércio de estivas e miudezas. Esse imigrante marroquino teria contribuído para fundar a Vila São Miguel dos Macacos, hoje um dos distritos do município de Breves, onde formou uma nova família, a partir da união com uma moradora do lugar, com quem teve dez filhos. É importante enfatizar que não foi realizada nenhuma cerimônia de oficialização dessa união (viviam em regime de concubinato) por ser ela cristã católica. É importante dizer, ainda, que ambos respeitavam e não interferiam na religião do outro, chegando ao ponto de não batizar nenhum dos filhos em cerimônia religiosa, deixando essa escolha para quando estes crescessem e fossem capazes de fazer uma escolha consciente e madura.

A chegada e a fixação de Abraham à localidade como se há de supor, causou estranheza, uma vez que houve um inevitável choque de culturas, semelhante (ressalvadas as devidas proporções) à chegada do europeu colonizador no início do século XVI. Imagine-se uma população do interior de um município marajoara, do início e até meados do século passado, para quem a floresta ainda não havia sido desencantada, ou seja, eram muito presentes na sua realidade cotidiana as crendices, mitos, encantamentos, se deparar com um outro modo de vida absolutamente diferente daquilo que ela foi construída e construiu ao longo da história da sua comunidade.

É provável que, se não foi a mais impactante, certamente provocou um estranhamento do ponto de vista do nativo da região o aspecto religioso, a se julgar pelo que ocorria durante as celebrações em datas importantes no calendário judaico, como o Yom Kipur, a celebração mais importante para o judaísmo. Sabe-se que nessas ocasiões, Abraham deixava todas as suas atividades rotineiras e se isolava num cômodo da casa para acender a vela de Sabat e fazer suas orações, que duravam todo uma noite e um dia. Nas celebrações da Pesseach ele não deixava ninguém da casa onde ele morava comer nada que contivesse trigo ou fermento, alimentos proibidos pela lei judaica nesse período. Era comum também a reunião de outras famílias de imigrantes judeus marroquinos, que moravam na região, como os Sarraf, os Bethebol, os Gabbay, para realizarem a celebração do Ano Novo Judaico

São histórias como a de Abraham Chocron que ajudam a entender toda uma teia de relações na construção e configuração de um espaço importante no desenvolvimento do município de Breves.

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